quinta-feira, 10 de maio de 2012

Um Estudo em Sherlock – Parte I: “I have my eye on a suite in Baker Street...”





- Este meu processo - principiei - parte da suposição de que, uma vez 
eliminado tudo o que é impossível, o restante, por pouco provável 
que pareça, deve ser a verdade. Também pode ocorrer que várias 
explicações fiquem de pé, e nesse caso tenta-se uma experiência, e 
logo outra, até que uma delas tenha uma base convincente.
- A Aventura do Soldado Lívido -



A primeira vez que li alguma das aventuras de Sherlock Holmes e seu fiel Doutor Watson, tinha uns treze para quatorze anos. Um Estudo em Vermelho foi apontado como paradidático para a escola – e eu, óbvio, devorei-o tão logo minha mãe terminou de providenciar o material escolar, antes mesmo do início do período letivo.


Claro que já conhecia o detetive de nome. Sherlock Holmes transcendeu há muito as páginas escritas por Sir Arthur Conan Doyle e sua imagem icônica foi completamente absorvida pelo imaginário coletivo.


Talvez por isso mesmo, as coisas não tenham dado tão certo em nosso primeiro encontro.


Enquanto lia Um Estudo em Vermelho a imagem que eu tinha na cabeça era a versão Sherlock-Capa-Chapéu-Cachimbo de Basil Rathbone e Watson-Gordo-Tolo-Alívio-Cômico de Nigel Bruce. Com essas imagens na cabeça, ainda que as deduções de Holmes me enchessem de admiração, eu não conseguia engolir muito bem a relação dos dois ‘amigos’.







Com essa imagem na cabeça, era impossível não enxergar condescendência e desprezo por trás de muitas atitudes do detetive. Assim é que depois de uns dois ou três livros do Doyle, abandonei Holmes em favor de Poirot, que me parecia muito mais afável. E por anos e anos as coisas ficaram nesse ponto.


Meus sentimentos sobre o tema podem ser encontrados na resenha que fiz de O Cão dos Baskervilles quando de sua leitura no Clube do Livro – mas confesso que ali eu já começava a analisar as coisas de forma diferente e ver por trás das aparências imediatas.


Não se surpreendam com tais afirmações vindas de alguém que passou os últimos meses declarando aos quatro ventos seu amor pelo detetive, obcecada em devorar tudo o que encontrava com o personagem – das aventuras originais, a pastiches, quadrinhos, filmes, séries, desenhos, até ensaios e monografias. Mais de dez anos me separam daquela primeira leitura afinal e gosto de pensar que aprendi uma coisa ou duas nesse meio tempo – inclusive a interpretar coisas que me parecem óbvias hoje, mas que eu não conseguiria enxergar nem com uma lupa àquela época, especialmente influenciada pela imagística que tinha na cabeça então.


Meu problema com Sherlock Holmes nunca foi Holmes em si, mas, como já disse, sua relação com Watson. Eu detestava o tom condescendente com que ele tratava o bom doutor e detestava ainda mais a maneira como Watson simplesmente engolia tudo e se fazia de capacho para o amigo limpar os pés.


Também havia o detalhe de que só lendo uns três livros das mais de sessenta histórias que Doyle escreveu, eu não tinha todos os fatos. E é um erro teorizar sem fatos.


A coisa começou a mudar de verdade quando assisti o filme de 2009, com Robert Downey Jr. e Jude Law nos papéis da dupla. Assisti os trailers com certa estranheza, tentando me lembrar se Holmes era tão ‘ativo’ quanto aparecia na tela. Curiosa, reli Um Estudo em Vermelho e fui assistir o filme...





Minha interpretação começou a mudar nesse dia (e também dá para sentir a empolgação na resenha que fiz à ocasião).


Não é que o filme fosse particularmente genial ou fantástico. Eu gostei dele, achei divertido... e, pouco a pouco, as visões estereotipadas dos personagens que eu tinha na cabeça começaram a mudar. Tentei me lembrar de onde fora que eu tirara a idéia de que Watson era apenas alívio cômico e saco de pancadas e cheguei à conclusão que isto não estava no cânone ao final das contas.


Comecei a perceber nuances no doutor, qualidades que iam além da lealdade cega e admiração incondicional. Perto de Holmes, Watson podia parecer ordinário, mas quando você começa a se concentrar nele, se dá conta que ele é mais inteligente, firme e controlado do que parece à primeira vista.


Eu ainda não gostava muito do jeito arrogante com que Holmes tratava o resto do mundo... Mas aí saiu a série Sherlock da BBC... e o mundo virou de ponta cabeça.







A dinâmica apresentada ali entre Sherlock e John era... brilhante, espetacular, fantástica. Era a primeira vez que eu via os personagens serem interpretados por atores jovens – o que faz sentido, porque se você for fazer as contas, Sherlock devia ter uns vinte e cinco para baixo e John, até no máximo uns trinta quando eles se conheceram em St. Bartholomew’s Hospital – e havia qualquer coisa de tão viva, tão empolgante e tão verdadeira na amizade que repentinamente junta esses dois homens; há respeito e admiração de ambas as partes, e eles riem juntos e caçam criminosos juntos e cuidam um do outro...


Como é que eu tinha perdido tudo aquilo de vista quando li os livros? Sim, porque embora estas sejam adaptações, está tudo lá, na obra de Doyle, e era óbvio que eu tinha errado em algum dobra temporal ou coisa do tipo para não tê-lo percebido.


Era hora de fazer o dever de casa. Desenterrei tudo o que eu tinha das aventuras aqui em casa, providenciei o resto da bibliografia que não possuía – e mais uma série de títulos relacionados, incluindo aí até a biografia não-autorizada do detetive (porque tem muita gente doida nesse mundo que se dedica a esse tipo de passatempo). Andei para cima e para baixo com uma tabela das datas de publicação de cada uma das histórias, enquanto fazia mil e uma anotações, arrancava os cabelos com inconsistências de roteiro e contradições de datas e sorria feliz toda vez que encontrava uma informação nova, um detalhe que me tinha passado despercebido antes, mais uma peça do meu grande quebra-cabeças.


Mais importante, prestei atenção nos detalhes, sem dar um tom irônico toda vez que Holmes abria a boca, tentando entender o que estava acontecendo, o que estava nas entrelinhas das interações entre os dois amigos, afastando as noções pré-concebidas que tinha na minha cabeça de uma leitura feita mais de uma década atrás.


Na enorme trívia de conhecimentos bizarros que adquiri nesse estudo, há curiosidades como o fato de que no rascunho original de Um Estudo em Vermelho, os nomes do detetive e seu biógrafo serem, respectivamente, Sherringford Holmes e Ormond Sacker; Thadeus Sholto de O Signo dos Quatro ser descrito quase que exatamente à imagem e semelhança de Oscar Wilde – para não observar a ‘coincidência’ do nome do pai de Lorde Alfred Douglas ser John Sholto Douglas – ou que o próprio Doyle mais de uma vez se meteu a detetive, em geral, com bons resultados.


Ao longo de quatro, quase cinco meses, minha mente residiu quase inteiramente na era vitoriana. Entre livros, filmes, solos de violino e rascunhos, eu agora observava onde antes apenas tinha passado por cima. De repente, meu mundo se transformara numa cidade nebulosa, iluminada com lampiões de gás, cabriolés elegantes passando pelas ruas cheias de mentes criminosas prontas a dar um golpe fatal – centro do mundo, centro do Império – que começava e terminava em 221B Baker Street.


Estão prontos para a aventura? Venha se inconveniente. Se inconveniente... venha assim mesmo.





Continua na parte II...


Fonte: Coruja em Teto de Zinco Quente

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